9.5.06
Felizes juntos até que a nossa tristeza nos separe
Juras, chuva de arroz, alianças. Até que a morte os separe. E até que a morte os separou bem rápido. Foram dois meses de vida conjugal atribulada, agitada. Quando se casaram, Ele jamais imaginou que poderiam chegar àquele nível de relacionamento. Ele era um rapaz calmo, funcionário público concursado, o que lhe dava uma certa estabilidade financeira (“Coisa que segura qualquer mulher,” dizia). Ela simplesmente apareceu em sua vida, assim de repente, num bar, falando o que ele queria ouvir, insinuando & seduzindo.
Deslumbrante. Era o único adjetivo que lhe vinha à mente quando pensava nEla. Foi uma daquelas paixões fulminantes (com o trocadilho proposital), com direito a loucuras de amor e brigas violentas, tentativas de suicídio e pileques inesquecíveis ainda que imemoráveis. Era curioso para Ele viver de forma tão intensa, tão apaixonada. Sempre fora racional demais, sempre sabia exatamente o que fazer. Sempre tinha controle da situação.
Seis meses de namoro, casamento marcado e festança. Tudo com o que Ele nunca tinha sonhado. Tudo que Ele jamais almejou conquistar. Tudo que, no fundo, Ele queria. Ela, impassível. Linda noiva. Linda namorada. Linda mulher. Toda a pressa foi dEle: foi Ele quem quis namorar, quem começou a falar no casório e que bancou tudo, inclusive a festa e a viagem de lua-de-mel. E Ele realmente se saiu bem. Anunciou a empreitada no jantar de família (na ocasião em que Ela conheceu seus pais), sacou do bolso um par de alianças de ouro, com seus nomes gravados, ajoelhou-se e pediu sua mão.
Ele nunca se incomodou com o fato de não conhecer os pais dEla (“Ah, é porque eles são velhinhos e moram no interior, não saem muito...”) e nem com o fato de Ela não se preocupar em convidá-los. Estranhou um pouco, é verdade, o fato de Ela não ter nem sequer mencionado com os pais que iria se casar. Aliás, Ele nunca a vira falando com os pais. Talvez estivessem mortos e Ela não quisesse comentar, pensou. Fato que não ligou muito pra isso, afinal, tinha mesmo a mulher perfeita, aquela que não traz a sogra na bagagem. E gargalhava sozinho, abafado.
A cerimônia foi uma beleza, embora o padre aparentasse estar levemente bêbado. A festa se estendeu noite adentro e seus últimos amigos a partirem, os melhores, foram carregados para fora do salão sem qualquer condição de entender o que se passava. O uísque e a comida eram fartos e a música, adequada. O casal saiu mais sóbrio do que gostaria da festa direto para o aeroporto. Seu vôo sairia em poucas horas.
Não interessa, para a narrativa, o que ocorre durante esse período. Basta dizer que tudo correu bem, Ela adorou a viagem, Ele se apaixonou mais por Ela e tudo era lindo na vida do recente casal. Portanto, vamos pular diretamente para o retorno dEle à repartição em que trabalhava.
Durante suas férias um novo auxiliar começou a trabalhar na repartição. Seu nome era Odair, era jovem e parecia, no entanto, bastante vivido. Ele e Odair ficaram, rapidamente, muito próximos. Tornaram-se amigos de bebedeira e começaram a trocar confidências. Toda vez que Odair se embriagava (e não eram poucas vezes), falava na mesma mulher, o amor de sua vida, que o deixara havia anos e ele não sabia o porquê nem seu destino.
A dor de Odair era sincera. Ao falar na moça, invariavelmente, lágrimas lhe brotavam. A tristeza de Odair foi deixando marcas no amigo. Temia que Ela lhe deixasse sem mais nem menos, como acontecera com Odair. Temia que Ela lhe trocasse por outro. Temia, apenas. Sem perceber, Ele foi ficando frio. Gélido. Passou a tratá-la com indiferença, passou a ignorar os carinhos dEla. Ela continuou impassível. Ela continuou firme no seu posto de esposa. Ela nunca abriu a boca.
E Ele sofrendo as dores do amigo. E Ele ansiando secretamente que aquela dor fosse sua. E Ele desejando ter um amor perdido para contar ao amigo. Não podia agüentar a solidão de Odair. Não podia agüentar a felicidade de que Ele desfrutava enquanto seu novo amigo claramente não tinha forças para seguir adiante. Precisava, de alguma maneira, ajudar o amigo. Ao menos, compartilhar de sua dor.
Teve a idéia perfeita. Se Ela morresse, sentiria a dor do amigo. Quando Ela morreu, a polícia agiu tão rápido que nem deu a Ele a chance de fugir. Odair só ficou sabendo da tragédia pelos jornais. Nunca visitou o amigo na cadeia.
Deslumbrante. Era o único adjetivo que lhe vinha à mente quando pensava nEla. Foi uma daquelas paixões fulminantes (com o trocadilho proposital), com direito a loucuras de amor e brigas violentas, tentativas de suicídio e pileques inesquecíveis ainda que imemoráveis. Era curioso para Ele viver de forma tão intensa, tão apaixonada. Sempre fora racional demais, sempre sabia exatamente o que fazer. Sempre tinha controle da situação.
Seis meses de namoro, casamento marcado e festança. Tudo com o que Ele nunca tinha sonhado. Tudo que Ele jamais almejou conquistar. Tudo que, no fundo, Ele queria. Ela, impassível. Linda noiva. Linda namorada. Linda mulher. Toda a pressa foi dEle: foi Ele quem quis namorar, quem começou a falar no casório e que bancou tudo, inclusive a festa e a viagem de lua-de-mel. E Ele realmente se saiu bem. Anunciou a empreitada no jantar de família (na ocasião em que Ela conheceu seus pais), sacou do bolso um par de alianças de ouro, com seus nomes gravados, ajoelhou-se e pediu sua mão.
Ele nunca se incomodou com o fato de não conhecer os pais dEla (“Ah, é porque eles são velhinhos e moram no interior, não saem muito...”) e nem com o fato de Ela não se preocupar em convidá-los. Estranhou um pouco, é verdade, o fato de Ela não ter nem sequer mencionado com os pais que iria se casar. Aliás, Ele nunca a vira falando com os pais. Talvez estivessem mortos e Ela não quisesse comentar, pensou. Fato que não ligou muito pra isso, afinal, tinha mesmo a mulher perfeita, aquela que não traz a sogra na bagagem. E gargalhava sozinho, abafado.
A cerimônia foi uma beleza, embora o padre aparentasse estar levemente bêbado. A festa se estendeu noite adentro e seus últimos amigos a partirem, os melhores, foram carregados para fora do salão sem qualquer condição de entender o que se passava. O uísque e a comida eram fartos e a música, adequada. O casal saiu mais sóbrio do que gostaria da festa direto para o aeroporto. Seu vôo sairia em poucas horas.
Não interessa, para a narrativa, o que ocorre durante esse período. Basta dizer que tudo correu bem, Ela adorou a viagem, Ele se apaixonou mais por Ela e tudo era lindo na vida do recente casal. Portanto, vamos pular diretamente para o retorno dEle à repartição em que trabalhava.
Durante suas férias um novo auxiliar começou a trabalhar na repartição. Seu nome era Odair, era jovem e parecia, no entanto, bastante vivido. Ele e Odair ficaram, rapidamente, muito próximos. Tornaram-se amigos de bebedeira e começaram a trocar confidências. Toda vez que Odair se embriagava (e não eram poucas vezes), falava na mesma mulher, o amor de sua vida, que o deixara havia anos e ele não sabia o porquê nem seu destino.
A dor de Odair era sincera. Ao falar na moça, invariavelmente, lágrimas lhe brotavam. A tristeza de Odair foi deixando marcas no amigo. Temia que Ela lhe deixasse sem mais nem menos, como acontecera com Odair. Temia que Ela lhe trocasse por outro. Temia, apenas. Sem perceber, Ele foi ficando frio. Gélido. Passou a tratá-la com indiferença, passou a ignorar os carinhos dEla. Ela continuou impassível. Ela continuou firme no seu posto de esposa. Ela nunca abriu a boca.
E Ele sofrendo as dores do amigo. E Ele ansiando secretamente que aquela dor fosse sua. E Ele desejando ter um amor perdido para contar ao amigo. Não podia agüentar a solidão de Odair. Não podia agüentar a felicidade de que Ele desfrutava enquanto seu novo amigo claramente não tinha forças para seguir adiante. Precisava, de alguma maneira, ajudar o amigo. Ao menos, compartilhar de sua dor.
Teve a idéia perfeita. Se Ela morresse, sentiria a dor do amigo. Quando Ela morreu, a polícia agiu tão rápido que nem deu a Ele a chance de fugir. Odair só ficou sabendo da tragédia pelos jornais. Nunca visitou o amigo na cadeia.
ander_laine é viúvo