31.3.05
O último passo
Mote clichê: o primeiro passo é sempre o mais difícil.
Parecia que tinha, finalmente, chegado ao tal precipício de que se fala. Sua mulher o trocara pelo pai -dela, mas a estória não é sobre incesto-, seu emprego fora oferecido a um estágiario terceiro-anista incompetente, que ganharia metade do que ele ganhava. Trabalhando meio-período. Na verdade sua função era já um tanto obsoleta, mas ele preferia ignorar esse tipo de pensamento pessimista e, principalmente, derrotista.
Sua hipoteca estava vencida, a luz havia sido cortada e a privada estava entupida. Seu salário atrasara por meses antes de sua demissão. Como foi demitido por justa-causa -embora ela nunca tenha sido dita- não tinha direito a mais nada. Só ao pileque, mas ele não suportava bebida: quando criança, seu pai alcoólatra voltava dos puteiros que gerenciava e o enchia de porrada. Até o dia em que, passionalmente, o assassinou por conta de uma surra que dera na irmã caçula, à época com poucos meses. Passou o resto da infância numa instituição corretiva. Saiu mais bandido que entrara. Mas, pelo sangue de jesus, voltou à normalidade.
Arranjou seu emprego mesmo sem ter faculdade ou estudo; mesmo sendo ex-interno. Ao menos não era estuprador ou pedófilo, pensava. Trabalhava duro e era dizimista fiel. Dez por cento de tudo, rigorosamente tudo, que ganhava ia pro pastor. Diretamente. Fazia questão de entregá-lo pessoalmente ao pastor. Quando, algumas almas perdidas da igreja levantaram a suspeita -que depois se confirmaria- de que o pastor fodia sua esposa, ele se conformou dizendo que o pastor tinha direito a dez por cento dela, também. Ficou meio magoado quando soube que o pastor a fodia pelo cu, também. Coisa que ele próprio nunca havia feito. Até por penitência.
E agora estava na merda. Literalmente, o encanador havia dado o cano -sacaram essa?- por uma semana, enquanto a bosta se acumulava. Quando finalmente foi fazer o serviço já era tarde, fezes dominavam o banheiro. E o proprietário já havia surtado, cagava em qualquer lugar, não se preocupava nem mesmo em limpar a bunda. Com o fedor, acostumou-se.
Então decidiu-se: tirar a única vida e pagar o preço de arder nas chamas eternas do inferno. Só lhe faltava a coragem. E os meios... não se achava criativo e competente o suficiente para tão sério intento.
Mas, no fim, acabou por se jogar da janela de sua sala, depois de -cumprindo a profecia- fazer chover merda. Caiu como um monte de bosta no asfalto quente e mole do verão. Ardeu no inferno pra sempre, mas já não importava mais. Já não sentia fazia tempo.
Parecia que tinha, finalmente, chegado ao tal precipício de que se fala. Sua mulher o trocara pelo pai -dela, mas a estória não é sobre incesto-, seu emprego fora oferecido a um estágiario terceiro-anista incompetente, que ganharia metade do que ele ganhava. Trabalhando meio-período. Na verdade sua função era já um tanto obsoleta, mas ele preferia ignorar esse tipo de pensamento pessimista e, principalmente, derrotista.
Sua hipoteca estava vencida, a luz havia sido cortada e a privada estava entupida. Seu salário atrasara por meses antes de sua demissão. Como foi demitido por justa-causa -embora ela nunca tenha sido dita- não tinha direito a mais nada. Só ao pileque, mas ele não suportava bebida: quando criança, seu pai alcoólatra voltava dos puteiros que gerenciava e o enchia de porrada. Até o dia em que, passionalmente, o assassinou por conta de uma surra que dera na irmã caçula, à época com poucos meses. Passou o resto da infância numa instituição corretiva. Saiu mais bandido que entrara. Mas, pelo sangue de jesus, voltou à normalidade.
Arranjou seu emprego mesmo sem ter faculdade ou estudo; mesmo sendo ex-interno. Ao menos não era estuprador ou pedófilo, pensava. Trabalhava duro e era dizimista fiel. Dez por cento de tudo, rigorosamente tudo, que ganhava ia pro pastor. Diretamente. Fazia questão de entregá-lo pessoalmente ao pastor. Quando, algumas almas perdidas da igreja levantaram a suspeita -que depois se confirmaria- de que o pastor fodia sua esposa, ele se conformou dizendo que o pastor tinha direito a dez por cento dela, também. Ficou meio magoado quando soube que o pastor a fodia pelo cu, também. Coisa que ele próprio nunca havia feito. Até por penitência.
E agora estava na merda. Literalmente, o encanador havia dado o cano -sacaram essa?- por uma semana, enquanto a bosta se acumulava. Quando finalmente foi fazer o serviço já era tarde, fezes dominavam o banheiro. E o proprietário já havia surtado, cagava em qualquer lugar, não se preocupava nem mesmo em limpar a bunda. Com o fedor, acostumou-se.
Então decidiu-se: tirar a única vida e pagar o preço de arder nas chamas eternas do inferno. Só lhe faltava a coragem. E os meios... não se achava criativo e competente o suficiente para tão sério intento.
Mas, no fim, acabou por se jogar da janela de sua sala, depois de -cumprindo a profecia- fazer chover merda. Caiu como um monte de bosta no asfalto quente e mole do verão. Ardeu no inferno pra sempre, mas já não importava mais. Já não sentia fazia tempo.