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16.12.04

Mas o que é isso? 


Que porra é essa, véio?
p, a e ander_laine


Na 26ª Bienal de Arte de São Paulo o conflito entre arte e técnica está exposto ao visitante. Da entrada à saída, a questão que paira é: “Mas isso é arte?”.

Nas obras -vídeos, instalações, quadros- evidencia-se, muitas vezes, o processo de criação da obra. Não é mais a representação ou a reprodução da realidade que está em jogo. Não se busca mais uma obra de arte que seja fiel e imitativa da realidade. Isso, ao contrário da arte renascentista, por exemplo, não é o desejado. Isso, ao contrário da arte neoclássica, por exemplo, não é desejável.

O que se busca atualmente não está mais tanto na técnica, mas no “conceito”. Quer dizer, não importa o virtuosismo do artista em representar fielmente pessoas ou situações, mas muito mais sua visão a respeito de sua obra e do mundo em que vive. É a crítica que ele faz da realidade que permeia a obra de arte na “época de sua reprodutibilidade técnica”, só pra ficarmos no chavão.

Por exemplo, uma das obras lá expostas, uma série de quatro painéis de Ângela Detanico e Rafael Lain, representam o mundo em diversas versões. Maneiras de se organizar o mundo, na verdade. E de uma maneira que pode nos parecer tão prosaica: alinhados de acordo com os padrões dos editores de texto dos microcomputadores pessoais. No primeiro quadro, vemos um simulacro do mundo, representado apenas por traços horizontais. É a versão JUSTIFICADA do globo. No segundo, todos os traços foram alinhados à ESQUERDA. No terceiro, ao CENTRO. E, finalmente, no último, parece óbvio que estejam alinhados à DIREITA. Estão.

A técnica de uma obra como essa é quase banal. Apenas se alinham traços horizontais. No entanto, o conceito por trás da obra é de uma carga crítica muito mais profunda do que uma primeira vista displicente pode acreditar. Alinhar o mundo -todo ele- a uma ideologia, seja ela de que lado for, representa, em última instância, uma “aglutinação” do planeta, fazendo com que ele perca suas características locais e sua -atenção para a palavra da moda- pluralidade.

Conforme se caminha pelos corredores da Bienal, vê-se que essa atitude artística está presente em boa parte das obras. Aparentemente, ou por opção de, principalmente, Alfons Hug, o curador da Bienal, perdeu-se aquele hábito de quadros abstratos e esculturas igualmente abstratas. O que se vê, são muitas -e muitas mesmo- obras ditas ready-made.

Talvez o exemplo mais evidente -e, mais uma vez, mais clichê- seja o do velho Volks dependurado numa armação de metal. Mais chocante que a obra em si é uma declaração do seu autor (atenção, por um lapso deste redator, o nome de tal artista será ignorado...): “Eu gostaria que os automóveis e outros objetos desaparecessem espontaneamente por atrito ou vibração”.


Indo além


A questão de ser ou não arte parece se pôr sempre à nossa frente. O vídeo científico dos estadunidenses Neistat Brothers é um exemplo. Em uma seqüência de mais de dez minutos, experimentos às vezes simples de ciência doméstica são belamente filmados e expostos. E são coisas prosaicas mesmo: uma vela, equilibrada ao meio, queimando pelos dois lados; bolinhas de naftalina boiando em uma solução de ácido acético, o intragável vinagre, e fermento químico. De repente, entre todo esse didatismo, um choque: um aquário com um peixinho dourado é esvaziado, preenchido com um refrigerante cítrico, esvaziado novamente e, mais uma vez, enchido com água. Depois de toda essa preparação de terreno, com o peixinho agonizante, os irmãos Neistat ainda lhe desferem o golpe de misericórdia: semelhante a um desfibrilador às avessas, ou seja, para eliminar e não salvar a vida, eles encostam no pobre ser uma bateria daquelas de 9 volts. É a consagração. Num tremelique, o peixe rodopia, estremece e acaba. E é lindo!

A questão que os artistas estão se colocando, não é mais a de retratistas do real, mas de críticos desse mesmo emaranhado de definições que se convenciona chamar “real”. Não é, mais uma vez, a técnica, mas o conceito. Talvez esta seja mesmo a aura da obra de arte contemporânea. Talvez seu verdadeiro valor seja exatamente este.


Em obras


Outro aspecto bastante evidente da 26ª Bienal de Arte é a quantidade de obras que retratam, em maior ou menor grau, obras. Ou partes de obras. Por exemplo, a obra “Rampa”, do brasileiro Thiago Bortolozzo. Apenas uma rampa, meio curva, de tapumes, que extrapola os limites do prédio.

Ou ainda, obras com canos expostos, vazamentos de água, enfim, uma variedade de elementos que remetem a obras -aqui, no sentido de construção civil-, como se nada daquilo estivesse pronto. Como se a obra -de arte- fosse mesmo uma obra -de construção-. Apenas uma parte temporária para que um objetivo maior seja alcançado. É como se nada daquilo estivesse realmente pronto. É como se tudo que se vê não fosse. Tudo que se viu, não se verá mais, tudo está em mutação. Tudo será diferente. E a crítica que se faz é justamente a do momento de mutação, o verdadeiro momento em que podemos determinar para onde levaremos aquela obra -aqui, com o sentido que quiser.


Coisa mais feia...


A obra de arte, o artista e, principalmente, o mundo e o homem (com maiúscula? Gramaticamente, sim. Ideologicamente, não. Opte pelo seu.) estão, cada vez mais -e num sentido oposto ao do classicismo-, se fragmentando e se reinventando. Expondo-se por onde é mais fraco, por onde estão suas falhas. Não se está mais interessado em mostrar a grandiosidade do mundo e do homem, mas sua pequenez e suas irreversíveis contradições. Atualmente, a preocupação é muito mais com o pequeno, com o mesquinho e com o podre da chamada “realidade”.


p, a e ander_laine foram à bienal.
não sabem dizer se aquele jornal no chão fazia parte da exposição...

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