29.11.04
Insones no paraíso
À noite, de madrugada, é possível conseguir de tudo, desde uma cervejinha gelada -ou quente, mesmo, se a tremedeira for muita- até panelas de pressão, churrasqueiras elétricas e sexo. Refeições podem ser feitas a qualquer momento e, dependendo do caso e do local escolhido, são mais interessantes se feitas nessas horas.
Embora haja, de fato, alguns casais que façam suas compras de madrugada, o público dos supermercados 24 horas nessas horas é majoritariamen-te de jovens que vão -e voltam- de festas e baladas. As compras não variam muito: bebidas alcoólicas, energéticos, comidinhas e camisinhas.
Vera Lúcia, operadora de caixa de supermercado, trabalha das 23:00 às 7:00. Começou trabalhando à tarde, mas foi para a madrugada por um motivo justificado: a legislação trabalhista em vigor no país obriga as empresas a pagar um salário 25% maior aos funcionários deste turno.
Ela mora com seus dois filhos em Diadema e gosta de dormir. Dorme sempre que pode, especialmente durante sua folga semanal. Dorme tudo que não vai dormir durante a semana. Quando chega em casa, dorme imedia-tamente. Para não engatar atividades ao longo do dia e aí... só mesmo na manhã seguinte poderá ter o descanso merecido.
Mas trabalhar à noite também tem suas vantagens. O frentista Edson gosta do horário porque é mais calmo. “Ah, não tem aquele stress, aquele mundo de gente pra abastecer,” conta. Apesar de trabalhar com as bom-bas de combustível, o real motor do posto parece mesmo ser a loja de conveniência.
Dezenas de rapazes e moças passam pelo estabelecimento durante a noite. Muitos deles estacionam seus carros, compram suas cervejas e acabam ficando por lá mesmo, trocando sua balada por uma divertida estadia num posto de gasolina. Mas há também os radicais: garotos abonados, ou apenas petulantes, que estacionam suas máquinas, abrem o porta-malas e reproduzem, com maior ou menor fidelidade, a pista de dança. O repertório? Nada que mereça ser discutido...
Por outro lado, na rua Augusta, o movimento é maior durante a noite. À luz do sol é impossível encontrar as mais antigas profissionais do mundo oferecendo seus serviços. No entanto, ao melhor estilo vampiresco, quando a noite vem, as calçadas são dominadas por essas mulheres (se o foco fosse outra rua de Sampa, talvez não estivéssemos falando de mulheres. Mas vamos prosseguir). Comerciantes da única coisa que podem se gabar de ter.
Seu nome é Ana Paula e seu sorriso é cativante. Não há nenhuma dúvida de que esse é seu nome artístico, muito embora o sorriso me pareça quase sincero. Obviamente, estava muito mais interessada em me convencer a fazer o programa do que em me contar como sua jornada de trabalho interfere em sua vida. Gostaria de ter ouvido mais o que ela tinha a dizer, mas se entrasse em meu carro o pecado estaria inevitavelmente próximo. E eu não dispunha da quantia exigida para o crime...
Na mesma rua, onde seguranças, putas, rufiões, virgens e tiras convivem pseudo-pacificamente, há sim estabelecimentos 24 horas. E não pense você que falo dos bordéis: eles fecham de manhã, é apenas um caso de relógio biológico invertido. Há bares sempre abertos na Augusta.
O balconista Luis adora a vida noturna de São Paulo e, mais ainda, da Augusta. Não perde nunca a chance de paquerar as “meninas” e se irrita quando algum bêbado mais exaltado as perturba. Quando perguntado se toda essa dedicação a elas já lhe rendeu algum fruto -claro que não estamos falando de nenhum favor-, ele apenas enrubesce e me oferece outra cerveja. Por esse crime eu posso pagar.
De manhã, quando o sol retorna, e todos os profissionais do outro período estão indo para casa dormir, a imensa maioria da população está saindo para o trabalho. As muitas opções de serviços 24 horas, no entanto, não parecem ser nada mais que um “serviço diferenciado” para a classe média, que pode pagar pelo luxo de comprar uma insignificante resistência de chuveiro às 4:20.
ander_laine troca o dia pela noite