19.10.04
XXXIII
O despertador rasgou seu sonho. Sonhava com a sharon stone. Sonhava que era michael douglas e que a interrogava em instinto selvagem. De fato, paul verhoeven era seu herói. Enfim, o mal estava feito, já estava acordado. Olhou, só por hábito, para o relógio. Sabia a hora: seis e quarenta e sete, a mesma de todos os dias. Assim como o sonho: o mesmo de todos os dias. Igual.
Saltou da cama e caminhou até o banheiro. Olhou-se no espelho: a mesma cara de sempre. A mesma barba por fazer. Bocejou, como sempre. Escovou os dentes. A mesma pasta, a mesma escova. Deu sua primeira mijada do dia e sentiu seus efeitos terapêuticos. Antes da última gota, teve aquele arrepio de sempre. Gostava desse arrepio: já dava uma chacoalhadinha, poupava esforços.
Suspirou e abriu o armário do espelho. Pegou o creme de barbear, o pincel e a gilete. Molhou o rosto e foi fazer, como todos os dias, a barba. Fez espuma e ao primeiro contato com a lâmina, gritou: era a mesma, estava velha. Barbeou-se como de costume, colocou os papeizinhos nos pontos de sangue –sempre nos mesmos locais– guardou tudo e voltou para o quarto. Cinco passos.
Abriu o armário e viu as mesmas roupas. Pegou uma camisa igual à que usara no dia anterior e à que usaria no dia seguinte e a vestiu. Vestiu a calça do dia anterior, ainda estava limpa. Meias, sapato, seu único par. Pegou a gravata, igual, e voltou para o banheiro para fazer o nó. Tentou uma vez, muito longo. Duas, muito curto. Três, agora sim. Como no dia anterior, três tentativas.
Vestiu o paletó e foi tomar seu desjejum. Sucrilhos, como sempre. Sempre corn flakes. Sempre a mesma quantidade. Leite parmalat, duas xícaras. Duas colheres de açúcar união. Tudo igual. Tudo sempre igual. Comeu o mesmo sucrilhos com a mesma quantidade de colheradas, demorando o mesmo tempo e provavelmente dando sempre o mesmo número de mastigadas. Seis minutos.
Olhou no relógio: sete e treze. Se saísse de casa até sete e vinte e dois chegaria em tempo ao trabalho, entrava às oito mas sempre chegava um pouco antes, uns oito minutos. Entrou no carro e repetiu o processo diário: dar contato, pôr o cinto, abrir o vidro –só metade–, dar partida, engatar primeira, pisar no freio, soltar o freio de mão, ligar o rádio e só então poderia partir com o carro.
No caminho que fazia todo dia pro trabalho, sempre via as mesmas coisas, as mesmas casas, as mesmas lojas. Parava sempre nos mesmos faróis porque sempre andava à mesma velocidade. Ouvia sempre a mesma rádio, que não tocava sempre as mesmas músicas. Mas se fosse ele quem fizesse a programação, seria. De repente, um garoto –que não estava lá sempre– correu para atravessar a rua. Quando ele viu, era tarde demais. Não era todo dia que quase atropelava alguém, portanto não teria como impedir, ou reagir. O garoto morreu na hora.
Saltou da cama e caminhou até o banheiro. Olhou-se no espelho: a mesma cara de sempre. A mesma barba por fazer. Bocejou, como sempre. Escovou os dentes. A mesma pasta, a mesma escova. Deu sua primeira mijada do dia e sentiu seus efeitos terapêuticos. Antes da última gota, teve aquele arrepio de sempre. Gostava desse arrepio: já dava uma chacoalhadinha, poupava esforços.
Suspirou e abriu o armário do espelho. Pegou o creme de barbear, o pincel e a gilete. Molhou o rosto e foi fazer, como todos os dias, a barba. Fez espuma e ao primeiro contato com a lâmina, gritou: era a mesma, estava velha. Barbeou-se como de costume, colocou os papeizinhos nos pontos de sangue –sempre nos mesmos locais– guardou tudo e voltou para o quarto. Cinco passos.
Abriu o armário e viu as mesmas roupas. Pegou uma camisa igual à que usara no dia anterior e à que usaria no dia seguinte e a vestiu. Vestiu a calça do dia anterior, ainda estava limpa. Meias, sapato, seu único par. Pegou a gravata, igual, e voltou para o banheiro para fazer o nó. Tentou uma vez, muito longo. Duas, muito curto. Três, agora sim. Como no dia anterior, três tentativas.
Vestiu o paletó e foi tomar seu desjejum. Sucrilhos, como sempre. Sempre corn flakes. Sempre a mesma quantidade. Leite parmalat, duas xícaras. Duas colheres de açúcar união. Tudo igual. Tudo sempre igual. Comeu o mesmo sucrilhos com a mesma quantidade de colheradas, demorando o mesmo tempo e provavelmente dando sempre o mesmo número de mastigadas. Seis minutos.
Olhou no relógio: sete e treze. Se saísse de casa até sete e vinte e dois chegaria em tempo ao trabalho, entrava às oito mas sempre chegava um pouco antes, uns oito minutos. Entrou no carro e repetiu o processo diário: dar contato, pôr o cinto, abrir o vidro –só metade–, dar partida, engatar primeira, pisar no freio, soltar o freio de mão, ligar o rádio e só então poderia partir com o carro.
No caminho que fazia todo dia pro trabalho, sempre via as mesmas coisas, as mesmas casas, as mesmas lojas. Parava sempre nos mesmos faróis porque sempre andava à mesma velocidade. Ouvia sempre a mesma rádio, que não tocava sempre as mesmas músicas. Mas se fosse ele quem fizesse a programação, seria. De repente, um garoto –que não estava lá sempre– correu para atravessar a rua. Quando ele viu, era tarde demais. Não era todo dia que quase atropelava alguém, portanto não teria como impedir, ou reagir. O garoto morreu na hora.