6.10.04
VII
Era uma garota estúpida –não sabia sorrir. Sempre achei o riso um charme nas pessoas e saber rir, uma qualidade insuperável. Mas ela não, ela não ria quase nunca e, quando o fazia, era artificial e soava mais como educação que diversão. Era, enfim, terrível, deprimente dizer coisas engraçadas para tal exemplar errado da espécie humana.
Quando criança, vi-a algumas vezes. Era até que engraçadinha, não ria nunca e levava tudo a sério. Seu pai fingia que comia uma pedrinha e ela, emburradinha, dava-lhe uma bronca: "Não é pra comer!" Caso a brincadeira persistisse, a bronca continuava: "Já falei que não é pra comer!!" Nessa época ainda era engraçadinha, não ria, era seriazinha... para mim, que a via uma vez por ano.
Depois cresceu e ficou linda, uma garota linda mesmo, com olhos brilhantes, que refletiam os meus. Um corpo que deus gastou três dias e mais a manhã do domingo para fazer, tamanha perfeição e harmonia. Cabelos longos levemente ondulados, sedosos e brilhantes, magnificamente cuidados, ao contrário de minhas madeixas imundas e irregulares. Foi quando começamos a nos ver com mais freqüência.
Eu era apenas alguns anos mais velho e nossos pais se conheciam de algum lugar desconhecido para mim. Era começo de ano letivo e eu como bom –ou mau– veterano estava esperando os calouros chegarem para lhes distribuir trotes humilhantes e gratuitos. Comportamento típico de um futuro profissional responsável pela nação. Foi quando a vi, linda, frágil e perdida pelo imenso campus da faculdade procurando o local de matrícula. Fazia já alguns anos que não nos víamos e tinha ficado linda nesse ínterim. Não a reconheci, mas me apaixonei sem saber de nosso passado comum.
Cheguei como bom moço e perguntei se ela procurava a secretaria e me prontifiquei a acompanhá-la e ajudar no burocrático processo de matrícula: preencher o nome, a ficha e mostrar a identidade. Feito isso, convidei-a para um café -uma cerveja, verdade seja dita- na lanchonete da facu. Ela aceitou e caiu no 171 que acabara de receber. Nunca fui muito bom de xaveco, mas ela parecia ter se interessado em mim. Era verdadeiramente simpática, mas nunca ria do que eu falava. Justamente eu, que nunca falo sério e tiro sarro de tudo, que estou sempre fazendo piadinhas... enfim, achei que tentava fazer o tipo difícil, apesar de ter caído na cantada sem-vergonha que lhe passara.
Lá pela quarta cerveja -nesses casos de se conhecer- chega o momento de falar do passado, seja ele bom ou ruim. E, ao falarmos de nossos passados, nos reconhecemos. Imediatamente lembrei da garotinha emburrada da infância. Mudou, pensei. Mas não, continuava a mesma estúpida que leva tudo a sério. Mas estava apaixonado e pensei que valeria a pena. Não valeu. Após um mês, levando tudo que eu dizia a sério e, me achando louco, me deixou a ver navios. Até hoje sinto sua falta e quero que tenha um senso de humor como o meu. Não a ensinei a sorrir, mas ela me ensinou a chorar.
Quando criança, vi-a algumas vezes. Era até que engraçadinha, não ria nunca e levava tudo a sério. Seu pai fingia que comia uma pedrinha e ela, emburradinha, dava-lhe uma bronca: "Não é pra comer!" Caso a brincadeira persistisse, a bronca continuava: "Já falei que não é pra comer!!" Nessa época ainda era engraçadinha, não ria, era seriazinha... para mim, que a via uma vez por ano.
Depois cresceu e ficou linda, uma garota linda mesmo, com olhos brilhantes, que refletiam os meus. Um corpo que deus gastou três dias e mais a manhã do domingo para fazer, tamanha perfeição e harmonia. Cabelos longos levemente ondulados, sedosos e brilhantes, magnificamente cuidados, ao contrário de minhas madeixas imundas e irregulares. Foi quando começamos a nos ver com mais freqüência.
Eu era apenas alguns anos mais velho e nossos pais se conheciam de algum lugar desconhecido para mim. Era começo de ano letivo e eu como bom –ou mau– veterano estava esperando os calouros chegarem para lhes distribuir trotes humilhantes e gratuitos. Comportamento típico de um futuro profissional responsável pela nação. Foi quando a vi, linda, frágil e perdida pelo imenso campus da faculdade procurando o local de matrícula. Fazia já alguns anos que não nos víamos e tinha ficado linda nesse ínterim. Não a reconheci, mas me apaixonei sem saber de nosso passado comum.
Cheguei como bom moço e perguntei se ela procurava a secretaria e me prontifiquei a acompanhá-la e ajudar no burocrático processo de matrícula: preencher o nome, a ficha e mostrar a identidade. Feito isso, convidei-a para um café -uma cerveja, verdade seja dita- na lanchonete da facu. Ela aceitou e caiu no 171 que acabara de receber. Nunca fui muito bom de xaveco, mas ela parecia ter se interessado em mim. Era verdadeiramente simpática, mas nunca ria do que eu falava. Justamente eu, que nunca falo sério e tiro sarro de tudo, que estou sempre fazendo piadinhas... enfim, achei que tentava fazer o tipo difícil, apesar de ter caído na cantada sem-vergonha que lhe passara.
Lá pela quarta cerveja -nesses casos de se conhecer- chega o momento de falar do passado, seja ele bom ou ruim. E, ao falarmos de nossos passados, nos reconhecemos. Imediatamente lembrei da garotinha emburrada da infância. Mudou, pensei. Mas não, continuava a mesma estúpida que leva tudo a sério. Mas estava apaixonado e pensei que valeria a pena. Não valeu. Após um mês, levando tudo que eu dizia a sério e, me achando louco, me deixou a ver navios. Até hoje sinto sua falta e quero que tenha um senso de humor como o meu. Não a ensinei a sorrir, mas ela me ensinou a chorar.