4.10.04
V
Quem o levou foi seu irmão mais velho. Ele já tinha viajado por todo o mundo e o mar para ele era meramente rotineiro. Por todo o caminho de descida da serra não conseguiu deixar de pensar na emoção que teria ao ver, pela primeira vez o tal do oceano. Na semana anterior à viagem, definitivamente a mais esperada de sua vida, foi ao shopping center comprar umas roupas de surfista tipo umas bermudas floridas, umas camisetas de surf e também umas roupas de banho, afinal, não tinha maiô...
O caçula também foi. Ele também nunca tinha visto o oceano. Mas tudo bem, era muito novo para saber o que isso representava de verdade. Talvez nem estivesse tão ansioso. Era tão novinho que talvez ficasse só pensando em jogar taco na areia. Besteira. Só de pensar nisso, ficava com ódio do menino e pensava em dar-lhe uma bronca e uma surra mas após um tempinho pensava que não havia grandes problemas, afinal, se conhecesse o mar de moleque, não teria os dramas de consciência que ele próprio tinha por tão grave ausência em sua vida.
O mais velho era surfista. Quer dizer, surfava de vez em quando. Era o típico surfista de banheira. Mas, para ele, seu irmão era o maior surfista da história. Um Kelly Slater da peste. Claro que ele sabia quem era Kelly Slater. E mais, sabia e admirava.
Na perua Escort que os levou ao Guarujá, com suas pranchas de surf montadas no rack, o som que imperava era obviamente Men at Work e os bons e velhos Beach Boys. O único porém da viagem era o carro da mãe. Realmente seria mais esquema ir lá de picape ou alguma coisa do gênero, mas precisavam do rack do escortão.
Quando o carro parou na pousada, propositalmente distante da praia – manter o suspense era essencial – seu coração estava a mil, parecia até um daqueles frenéticos tambores que os caras das ilhas da Polinésia francesa tocavam sem parar naqueles filmes dos anos 50. Mal podia esperar para chegar à praia e sentir a areia roçar seus pés e sentir as ondas beijando seus tornozelos.
Mal agüentava a ansiedade de ver, finalmente, a arrebentação – sempre adorou essa palavra – poderia ver as ondas e também iria aprender a surfar. Seriam os cento e sessenta paus mais bem gastos da vida, esses da prancha, da roupa e do lash.
Caminhou os dois quilômetros até a praia mal se agüentando nas pernas. Só conseguia pensar "finalmente, finalmente, esse é o melhor momento da minha vida..."
Ao chegarem à praia, um homem da prefeitura barrava todos dizendo que a praia estava poluída e o mar, impróprio para banhistas.