7.10.04
O mistério Valêncio
-ou, a arte de contar histórias sem escrever-
A primeira revelação é chocante. Abre aspas: "Não sei por que cismei que os títulos de meus livros têm que começar com a letra M". Que se fechem as aspas. Ora, quem diz isso é o próprio Valêncio Xavier, autor de O mez da grippe (Companhia das Letras, 328 pp.), em artigo publicado no Estado de S. Paulo, em 12 de agosto de 2001.
Senão, vejamos: todos os cinco livros condensados em O mez da grippe -a saber: o próprio, Maciste no inferno, O minotauro, O mistério da prostituta japonesa & Mimi-Nashi-Oichi e 13 Mistérios + O mistério da porta aberta- seguem a norma. Outro cartapácio editado pela mesma Companhia das Letras, Minha mãe morrendo e o menino mentido, ao que me parece, extrapola a tal da norma imposta pelo autor. Quer mais? Então segura essa: Meu 7º dia, da Ciência do Acidente. Pelo que vejo, você não se cansa nunca, ávido leitor: Las meninas, A moça que virou tigre, MCMXLII. Convencido, agora?
Oquei, você contra-argumentará -já previra em meu roteiro- que seu mais recente livro, editado pela Publifolha há poucos meses, Crimes à moda antiga, foge à regra. Pois eu digo: ótimo! É justamente esse o gancho de que necessito para começar a explorar o mistério Valêncio Xavier, onde nada parece fazer sentido. Siga-me se tiver coragem.
Senão, vejamos: todos os cinco livros condensados em O mez da grippe -a saber: o próprio, Maciste no inferno, O minotauro, O mistério da prostituta japonesa & Mimi-Nashi-Oichi e 13 Mistérios + O mistério da porta aberta- seguem a norma. Outro cartapácio editado pela mesma Companhia das Letras, Minha mãe morrendo e o menino mentido, ao que me parece, extrapola a tal da norma imposta pelo autor. Quer mais? Então segura essa: Meu 7º dia, da Ciência do Acidente. Pelo que vejo, você não se cansa nunca, ávido leitor: Las meninas, A moça que virou tigre, MCMXLII. Convencido, agora?
Oquei, você contra-argumentará -já previra em meu roteiro- que seu mais recente livro, editado pela Publifolha há poucos meses, Crimes à moda antiga, foge à regra. Pois eu digo: ótimo! É justamente esse o gancho de que necessito para começar a explorar o mistério Valêncio Xavier, onde nada parece fazer sentido. Siga-me se tiver coragem.
nãotemaonovo
À primeira vista, desconforto. Mas o que faz com que esse paulistano radicado em Curitiba soe, ou antes, pareça ser tão bizarro?
Valêncio Xavier é um mestre em contar histórias fugindo da narrativa convencional, que você -burocrático leitor-, eu -muitíssimo mais burocrático- e boa parte da parcela de leitores conhece. Ele conta histórias por meio de imagens. Aparentemente desconexas, imagens e textos, com o caminhar da história (ou estória, ou História, como veremos) vão se fundindo e se completando mutuamente.
Não são as palavras que criam, em sua -de você, desatento leitor- mente, o real fio de sua literatura. São as palavras somadas às fotos, gravuras, recortes, ilustrações, publicidade e uma infinidade de iconografia que este "Frankenstein de Curitiba" (a alcunha lhe foi dada pelo poeta e editor Joca Reiners Terron) agrega à narrativa.
Valêncio Xavier é um mestre em contar histórias fugindo da narrativa convencional, que você -burocrático leitor-, eu -muitíssimo mais burocrático- e boa parte da parcela de leitores conhece. Ele conta histórias por meio de imagens. Aparentemente desconexas, imagens e textos, com o caminhar da história (ou estória, ou História, como veremos) vão se fundindo e se completando mutuamente.
Não são as palavras que criam, em sua -de você, desatento leitor- mente, o real fio de sua literatura. São as palavras somadas às fotos, gravuras, recortes, ilustrações, publicidade e uma infinidade de iconografia que este "Frankenstein de Curitiba" (a alcunha lhe foi dada pelo poeta e editor Joca Reiners Terron) agrega à narrativa.
atchim!
Em O mez da grippe, Valêncio recria os dias da epidemia de gripe espanhola em Curitiba sem escrever praticamente nenhuma palavra: apenas recortes de jornal da época, declarações entre "aspas" de uma sobrevivente. Tudo devidamente intercalado com um excitante -não me condene pela sinceridade, hipócrita leitor- poema de um tarado que invade a casa de uma enferma para lhe violar.
Mas não pense você que nada faz sentido. Pois faz sentido demais, ele não apenas recria os dias e angústias dos moradores da época, como também traz à tona fatos externos à cidade, como o fim da I Guerra Mundial e suas conseqüências mais imediatas. E com direito a um balanço dos mortos no final da novella.
Mas não pense você que nada faz sentido. Pois faz sentido demais, ele não apenas recria os dias e angústias dos moradores da época, como também traz à tona fatos externos à cidade, como o fim da I Guerra Mundial e suas conseqüências mais imediatas. E com direito a um balanço dos mortos no final da novella.
rindodaprópriadesgraça
O humor é outra característica que aparece com força em sua narrativa. Não se sabe ao certo, mas temos certeza de que a Prostituta Japonesa gozou. Afinal, foi o que ela disse, não foi? Ora, iletrado leitor, você não decifrou os ideogramas japoneses com que ela respondeu à pergunta do narrador-personagem? Bem, ele decifrou, mas é evidente que não te direi assim tão fácil, ingênuo leitor. Vá ler o livro que você ganha mais.
Todo o tempo, Valêncio brinca com você. É um jogo, sabe? Ah, não sabe. Claro que não, isso ainda não foi dito. Vamos, mais uma vez, abrir as tais das aspas. Para isso, precisaremos de dois pontos: "Acho que tudo que faço é brincadeira. Mas é um outro significado da palavra brincadeira. Tenho quase certeza de que não tenho nada a dizer para o mundo, Não tenho mensagens, não quero ditar regras. Meus livros são apenas para serem lidos". Fecham-se, como que por mágica -novamente-, as aspas. Novamente é o autor quem nos diz -aqui em entrevista a Cassiano Elek Machado, publicada na Folha de S. Paulo, em 20 de março de 1999- o (ir)real propósito de sua escrita.
Tudo é labirinto, tudo leva a lugares inusitados e tudo leva a... aonde mesmo? Ah, claro, ao mesmo lugar. Quer dizer, a outros lugares, que podem ser o mesmo, mas que, na verdade... é mais ou menos assim que se propaga. Como em O minotauro: para não ter de pagar a puta com quem acabara de se deitar, o narrador-personagem (o mesmo? Mas que fixação por putas, não?), no meio da noite, pé ante pé, sai do quarto de motel em que está para ganhar a rua.
Teoricamente. Na escuridão, os corredores que percorre se repetem, se misturam, se confundem e não o levam à rua. Aliás, nem você, desnorteado leitor, chega a lugar algum. Veja só: o livro começa no número X (que nem um número é), vai pro 31, pro 10, passa pelo WC (!?), pelo s/nº e por aí vai... quer dizer, eu menti. Você chega, sim, a algum lugar, mas pelo método mais complicado -ei, ninguém falou que seria fácil, incauto leitor.
Todo o tempo, Valêncio brinca com você. É um jogo, sabe? Ah, não sabe. Claro que não, isso ainda não foi dito. Vamos, mais uma vez, abrir as tais das aspas. Para isso, precisaremos de dois pontos: "Acho que tudo que faço é brincadeira. Mas é um outro significado da palavra brincadeira. Tenho quase certeza de que não tenho nada a dizer para o mundo, Não tenho mensagens, não quero ditar regras. Meus livros são apenas para serem lidos". Fecham-se, como que por mágica -novamente-, as aspas. Novamente é o autor quem nos diz -aqui em entrevista a Cassiano Elek Machado, publicada na Folha de S. Paulo, em 20 de março de 1999- o (ir)real propósito de sua escrita.
Tudo é labirinto, tudo leva a lugares inusitados e tudo leva a... aonde mesmo? Ah, claro, ao mesmo lugar. Quer dizer, a outros lugares, que podem ser o mesmo, mas que, na verdade... é mais ou menos assim que se propaga. Como em O minotauro: para não ter de pagar a puta com quem acabara de se deitar, o narrador-personagem (o mesmo? Mas que fixação por putas, não?), no meio da noite, pé ante pé, sai do quarto de motel em que está para ganhar a rua.
Teoricamente. Na escuridão, os corredores que percorre se repetem, se misturam, se confundem e não o levam à rua. Aliás, nem você, desnorteado leitor, chega a lugar algum. Veja só: o livro começa no número X (que nem um número é), vai pro 31, pro 10, passa pelo WC (!?), pelo s/nº e por aí vai... quer dizer, eu menti. Você chega, sim, a algum lugar, mas pelo método mais complicado -ei, ninguém falou que seria fácil, incauto leitor.
sexoputariaperversãoamor
Outro tema sempre presente na narrativa imagética de Valêncio Xavier é o sexo. Mas não como algo sujo, pornográfico. Mais como parte da vida -espero que você concorde, desvirginado leitor-, o que, de fato, é. Suas histórias incluem prostitutas, relações edipianas (isso está mais evidente em Minha mãe morrendo), adultérios, paixões assassinas, perversões públicas, assédio. Nada que nenhum de nós nunca tenha feito. A diferença, é que em Valêncio Xavier isso se dá num outro plano. Veja só: em Maciste no inferno, enquanto a trama de um filme que não existe se desenrola na tela e nas páginas do livro, o narrador-personagem (sempre ele...) seduz uma distinta dama na sala de projeção. As imagens que o autor nos oferece (tanto visuais como literárias) são extremamente necessárias para que possamos cruzar -sem malícia, pervertido leitor- as histórias, a sua e a de Maciste. Aliás, ambas parecem (e bem que poderiam ser) idênticas.
doeu?depoispassa...
O mistério Valêncio não é tão simples quanto ficou aparente nestas palavras rasuradas -claro que você não viu as rasuras, tecnológico leitor- é tudo muito mais complexo, muito mais cheio de significados do que esta mera interpretação mostrou. Mas, pela última vez, passo a palavra ao autor. E, pela última vez, com direito a novo parágrafo.
Adivinha só... claro, aspas: "Ao executar a mágica destas páginas, eu passei a você todas as informações para abrir a porta certa (...) É um truque entre eu e você. (...) Você tem que saber. De minha parte, executei o truque bem devagar, bem à sua vista, com exagerado excesso de detalhes. Fiz questão de dar indicações para que você percebesse, claramente, onde está a chave do segredo. Vamos, você tem todas as condições de abrir a porta certa: pense, escolha, abra."
Adivinha só... claro, aspas: "Ao executar a mágica destas páginas, eu passei a você todas as informações para abrir a porta certa (...) É um truque entre eu e você. (...) Você tem que saber. De minha parte, executei o truque bem devagar, bem à sua vista, com exagerado excesso de detalhes. Fiz questão de dar indicações para que você percebesse, claramente, onde está a chave do segredo. Vamos, você tem todas as condições de abrir a porta certa: pense, escolha, abra."
ander_laine não é um mistééééério
lead:
oquê? o mez da grippe e outros livros
quem? valêncio xavier
como? companhia das letras
quando? 1998
onde? boas livrarias, baby
por quê? porque sim, já não era sem tempo
quanto? cerca de trinta e cinco pilas
oquê? o mez da grippe e outros livros
quem? valêncio xavier
como? companhia das letras
quando? 1998
onde? boas livrarias, baby
por quê? porque sim, já não era sem tempo
quanto? cerca de trinta e cinco pilas