21.10.04
LII
Abri primeiro um olho. Depois o outro. Pisquei duro e reabri os dois juntos. Bocejei. Esfreguei os olhos e tirei aquele resto de remela dos cantos. Cocei a barba – hoje não tem jeito, vou ter que barbear. Espreguicei. Estalei os dedos. Depois os cotovelos. Pescoço. Costas. Ops, arrotei. Bocejei de novo. Que tava sonhando mesmo? Caralho, pára de bocejar. Cocei a barriga. E o saco. Rolei na cama. Preciso levantar. Ah, é, tava sonhando com um jantar com uma galera da escola que eu não vejo desde aquela época: sexta série. Era um maluco nerd, um que tocava o puteiro comigo, uma mina gatinha e burra, mais gata que burra. E era um papo sobre aqueles tempos. Puta viagem. Botei um pé pra fora da cama. O direito. Agora o esquerdo. Fiz uma forcinha pra sentar. Apoiei meu peso nos braços e levantei. Procurei o chinelo, mas tava muito longe: vou descalço. Abri a porta do banheiro. Cocei a bunda e botei o pau pra fora. Levantei a tampa da privada. Ah, a primeira mijada. Chacoalhei. Botei pra dentro de novo. Estranho, hoje não acordei com ele duro. Encarei o espelho. Botei um teco de pasta na escova. Puta escova velha: tá toda desbeiçada e fedendo, cheiro de bafo. Tá na hora de trocar. Fiquei uns minutos esfregando essa coisa na boca. Cuspi. Bochechei. Cuspi. Bochechei. Cuspi. Gargarejei. Cuspi. Catarrei. Cuspi. Fechei a torneira. Enxuguei a cara. Saí do banheiro. Voltei. Esqueci a porra do desodorante. Se eu não passo essa merda, fico fedendo o dia inteiro. Até com isso eu fico meio foda. Saí de novo do banheiro. Entrei no quarto. Abri o armário. A gaveta. Tirei uma cueca e um par de meias da primeira gaveta. A segunda. Tirei uma camisa escrita ‘to beer or not to beer’. Fechei. Fechei o armário. Tirei a roupa de dormir. Botei a cueca. Peguei a calça nas costas da cadeira. Vesti. Botei a meia. Primeiro o pé esquerdo. Sempre. O direito fica pra depois. Não sei por quê. Calcei as botas, meu pisante irado, meu coturno como querem alguns. Por que você calça a bota e bota a calça? Qual a diferença? Ahn? É, preciso fazer uma pá de coisa hoje. Vesti a camiseta. A camiseta mais usada de todos os tempos. Cadê as coisas dos bolsos agora? Celular. Carteira. Documento do carro: possante irado, bombão. Colírio. Balinhas halls. Chave de casa. Pronto pra sair. Saí do quarto. Voltei. Abri a janela. Olhei pra cama ainda quente. Solitária. Preciso talvez fazer companhia. Olhei pro rádio relógio eletrônico, isto é, digital, herdado de minha vó e vi que ainda eram sete. Tinha tempo, estava adiantado. Tinha ainda umas duas horas. Só iria começar lá pelas onze. Que nada, depois, mais tarde. Me joguei na cama. Arranquei a bota como pude. Atirei as coisas dos bolsos na mesa. Joguei a camiseta na cadeira. Dormi rapidinho. Acordei umas quatro horas depois. Eram onze. Agora sim. Liguei prum amigo e disse que tava saindo. Me revesti, isto é, me vesti de novo. Hoje ia ser quente. E desci as escadas até a garagem. Entrei no carro. Dei a partida. Saí finalmente. Onze da noite. Hoje a balada prometia. Ia ser uma mega rave fora da cidade. Peguei meu amigo em casa. Pegamos o mapa. Saímos pra balada. Dois easy-riders numa noite perdida. Só que num carro.