28.10.04
Égua da noite
Voltei ao quarto, ainda pensando no sonho. Não consegui a me lembrar bem o que era, apenas que fora muito, muito ruim. Não sei nem o que acontecia, se morria, se matava ou o quê. Mas agora estava tudo bem, tudo se resolve quando se acorda.
A salvação é sempre acordar. Lembro-me de, quando garoto, sempre torcia para acordar. Normalmente acordava. Quando não acordava... bem, quando não acordava, as situações me faziam crescer. Hoje, acordei.
Tomei calmamente a cerveja e deitei. Esperei o sono voltar. Quando criança, tinha medo de voltar a dormir e sonhar o mesmo sonho que sonhara antes. Mas, convenhamos, não era mais nenhum garotinho. Ora essa, medo de dormir.
Adormeci após poucos instantes, levemente inebriado pela cerveja. Acordei gritando. Havia sido um pesadelo. Talvez o mesmo. Curiosamente, também desse não conseguia me recordar. De alguma maneira bizarra estava apangando de minha mente todos os pesadelos que tinha. Não usaria a mesma desculpa apra tomar outra cerva, muito embora quisesse. Revirei-me na cama e peguei novamente no sono.
Acordei gritando. Outro. Mas esse também me esquecia.
Que será que havia feito para tantos pesadelos seguidos? Voltei à cozinha. Agora era desculpa suficiente pra outra cerva. Abri a geladeira, afastei o cadáver de minha mulher e peguei a última latinha. Fechei a geladeira. Antes de abrir, limpei umas gotas de sangue que respingaram na lata. Que nojo, mesmo sendo sangue da mulher com quem convivera por mais de trinta anos, aquele líquido vermelho viscos semicongelado me enojava. Tomei a cerva e tentei dormir novamente.
Acordei gritando.
Desde então, todas as noites, diversas vezes acordei gritando. Todas as vezes, ia até a cozinha e repetia o processo. Até o dia em que tive a brilhante idéia de colocar as cervas à frente do cadáver de minha mulher. Desde então, nunca mais tive pesadelos.