6.8.04
Quanto vale a sua fé?
Com cinco minutos de atraso, o culto começou pontualmente às três da tarde. O pianista da igreja começou uma música que todos sabiam de cor. Então o Pastor Marcos subiu ao palco. Quer dizer, altar. Cantaram duas músicas e algumas pessoas levaram papéis para a frente. Ao fim da cantoria, primeira coisa: cobrar o dízimo. Segunda coisa: falar da importância do dízimo. Terceira coisa: cobar o dízimo de novo.
Depois veio o culto, propriamente dito. O tema do estudo do bispo Edir Macedo era o sacrifício de Abraão. Como Abraão, ao proferir as palavra bíblicas: “Eis-me aqui!”, mostrou-se pronto ao chamado do senhor sem se importar com o sacrifíco exigido, o fiel deveria, também, estar pronto. O sacrifíco de Abraão foi dar seu único filho, Isaac, como sacrifício. “Qual o seu sacrifício? Quem é seu Isaac?” pergunta o pastor. “O sacrifíco deve ser determinado no seu coração,” continua, até definir o Isaac dos fiéis: “Dez mil reais? Mil reais? Quinhentos? Tem que ser o sacrifício maior, você tem que estar pronto.”
Entre uma explicação e outra do sacrifício necessário, músicas relacionadas, ainda, a Abraão. Fazendo referências ao monte Moriá, onde Abraão levou Isaac para holocausto, a música era bem alegrinha. Então o pastor voltou a falar dos sacrifícios necessários, e falou da “Fogueira Santa” e de que, além do dízimo habitual – o sacrifício maior –, poderia ser feita uma “oferta especial”. As obreiras entregaram os evelopes e o culto continuou. Sobre sacrifício, claro.
Após outra música, momento merchandising. Afinal, o culto estava acabando. O pastor começou vendendo um livro – “A fé de Abraão”, Bispo Macedo. Dessa vez, as ofertas eram segregadas, primeiro o pastor convocou quem fosse doar de mil a 500 reais. Depois as centenas, as dezenas e finalmente, lance mínimo, 5 reais. Em seguida, vendeu a revista Ester da mesma forma, mas a revista poderia ser adquirida por qualquer quantia. Depois o jornal Folha Universal, que, normalmente, os fiéis compram em grandes quantidades para evangelização. Apenas 1 real cada exemplar. Curiosamente, salvadas raríssimas exceções, os fiéis só se sensibilizam quando o pastor passa dos 5 reais: após esse valor, mais da metade da igreja se levanta para ofertar.
“O dízimo não é obrigatório” – Ao final do culto, aproximei-me do pastor. Perguntou-me se era minha primeira vez. Quase confirmei dizendo que era virgem de igreja, mas contive a piada. “E por que veio à igreja?” – Não é óbvio? Porque preciso encontrar deus. Marcos é pastor da Universal há mais de seis anos, entrou na igreja porque também tinha vícios, que podem ser qualquer coisa, porque ele nunca especificou. Também procurava a palavra de deus. E encontrou na Universal.
Uma coisa não ficou muito clara: todas as vezes em que o pastor diz “Tá ligado?” os fiéis batem uma palma e dizem “Tá ligado!” Será que é uma idiossincrasia da fé evangélica? O culto é bastante divertido, os fiéis cantam, dançam, batem palmas e todos são dizimistas.
O pastor pergunta muito sobre mim. E eu sobre ele. Quando eu disse que não poderia ser dizimista, visto que não tinha renda, ele foi bem reconfortante: “O dízimo não é obrigatório, quando deus lhe prouver algo, você separa os dez porcento”. Com o tempo eu perceberia a importância do dízimo.
Incrivelmente ele nunca viu nem falou com deus. Mas sentiu sua manifestação com seu sucesso financeiro e social. E sentiu a real importância de ser dizimista. “Porque deus lhe proverá dobrado.” A fé realmente tem de ser forte. Não tive coragem de perguntar quem era o Isaac dele, temi reações adversas. Mas, na verdade, acredito que pastores não sejam mais dizimistas. Claro que isso é só impressão.
De acordo com o pastor, tudo se basta pela perseverança. Se perseverar, um fiel irá vencer todas as batalhas. Se perseverar, o fiel obterá a felicidade plena. Mas também se fizer o seu sacrifício, “se determinar, em seu coração, quem é o seu Isaac”. O importante é ser dizimista fiel.
Sai Exu! Sai encosto! – Antes de ser atendendido, presenciei uma das chamadas “sessões de descarrego”: o fiel vai até o pastor para ser exorcizado. Pelo que entendi, a senhora sendo exorcizada não era a possuída. Era um sobrinho que estava com o encosto. O pastor pôs as duas mãos sobre a cabeça da mulher (foi-se a escova dela) e começou a arrastá-la pela igreja. Não deve ter funcionado, o pastor pediu a ela que continuasse orando que o encosto sairia. Será que o exu só sai após muitas orações? Na tevê parece mais fácil, o fiel é curado na hora.
O pastor gosta da evangelização. Exerce integralmente sua função, sempre procurando arrebanhar “mais uma alma para sua igreja”. Não quis responder sobre seu salário, ou de seus ganhos mensais obtidos com a igreja. “Isso não é importante, o que importa é a importância da fé na vida de cada um.” Ah, é mesmo. Mas, assim como padres catóicos, os pastores ganham, sim, um salário.
Os fiéis são muito fiéis. Antes de ir embora, e ao longo de todo o culto, muitos deles, quer dizer, muitas delas tentaram me converter. Durante o culto, “essa é uma das sessões vazias” disse o pastor, havia mais de 150 pessoas na igreja. Muitos homens de meia-idade, alguns jovens e uma criança. Muitos idosos. Mas a grande maioria eram mulheres. De todas as idades.
Não saí convertido, nem revoltado. Nem triste nem alegre. Saí com a impressão de que, se os fiéis creêm, deve lhes trazer algum bem. A fé é realmente importante e integrante da vida deles. Talvez só estejam procurando no lugar errado, a Universal custa muito caro.