29.6.04
Ascensão e queda dos jumentos alados
-uma parábola catastrófica-
Em algum remoto RINCÃO do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um ASTRO, em que ani-mais INTELIGENTES inventaram o CONHECIMENTO. Foi o minuto mais so-berbo e MENTIROSO da “história universal”: mas também foi SOMENTE um minuto. Passados poucos FÔLEGOS da natureza, congelou-se o astro e os animais inteligentes TIVERAM de morrer.
A descoberta, ou antes, a INVENÇÃO do conhecimento nada mais foi que uma EVOLUÇÃO natural dos animais inteligentes que habitavam o astro: os JUMENTOS ALADOS. A sua inteligência, como queriam alguns de seus mais ILUMINADOS representantes, provinha de sua capacidade de COMUNICA-ÇÃO. Ao conseguirem articular palavras, idéias e outros sentimentos mais ABSTRATOS, puderam, praticamente sem ESFORÇO algum, criar METÁFO-RAS. Eram elas que os diferenciavam, com EFEITO, das outras formas de vida, INFERIORES, do astro. E foram elas -as metáforas- que, ao evoluírem juntamente com os JUMENTOS ALADOS, inventaram o conhecimento.
Primeiro, eles inventaram as PALAVRAS. Depois, os CONCEITOS. E esses conceitos nada mais eram do que a ACEITAÇÃO -em larga escala- de trans-posições ARBITRÁRIAS. Com o passar do tempo, essas TRANSPOSIÇÕES foram se tornando tão e tão aceitas, que os JUMENTOS ALADOS perderam a capacidade de REALMENTE ver -e perceber- a difusa SUPERFICIALIDADE de suas crenças.
Obrigados a MENTIR segundo uma convenção sólida, pouco a pouco os JUMENTOS ALADOS foram sentindo o mal-estar se instalar em seu tão me-tafórico astro. Igualando-se justamente pelo ABANDONO das diferenças, os JUMENTOS ALADOS acreditavam -piamente- numa certa qualitas occulta. Era esse conceito -metafórico, também e também CRIADO por eles- que PAUTAVA toda sua sociedade: uma sociedade sólida, CANÔNICA e obriga-tória. Uma ilusão, a bem da VERDADE.
Em sua organização, o conceito PRECEDIA o objeto. Não importava se tal ou qual coisa era de DETERMINADA forma ou modelo, eles sempre buscavam ADEQUÁ-LAS a seus conceitos. A suas metáforas. A suas ILUSÕES. A suas certezas. A suas verdades. A seus ERROS (mas isso, perspicaz LEITOR, só será descoberto mais adiante).
Sem saber, enganavam-se. INIBIAM toda e qualquer atividade -ou intenção- INSTINTIVA. Bem como TOLHIAM toda e qualquer atividade -ou intenção- ARTÍSTICA. Não totalmente: algumas INTERVENÇÕES artísticas eram, sim, apreciadas, mas tratadas como CONTRAVENÇÕES: seus autores TODOS -sem exceção- eram tachados como loucos e ISOLADOS da sociedade, para que evitassem de ter instintos e INTUIÇÕES.
Talvez, porém, fosse de sua NATUREZA se deixar enganar (SAGAZ leitor, como os JUMENTOS ALADOS e seu astro foram ANIQUILADOS, não é pos-sível comprovar tal suposição). Se não era, de fato, de sua natureza, era um aspecto CULTURAL. Talvez fosse instintivo, mas seria IRÔNICO demais. E um terrível e DEFINITIVO contra-senso.
A degenerescência dos JUMENTOS ALADOS, no entanto, não tardou. Con-forme você se lembra, AMNÉSICO leitor, apesar de -e agora me repito, mas com intenção de ÊNFASE- a invenção do conhecimento ter sido o mais SO-BERBO e mentiroso minuto da “história universal”, foi mesmo só um minuto.
As verdades conduziram os JUMENTOS ALADOS a guerras TOTAIS: bellum omnium contra omnes. As verdades conduziram os JUMENTOS ALADOS a segregações por motivos ESTÚPIDOS -mais que suas verdades, seus con-ceitos e suas metáforas- e por condições SOCIAIS que, também elas, havi-am sido impostas pelas verdades. As verdades conduziram os JUMENHTOS ALADOS a depreciar e DEPREDAR seu astro. As verdades conduziram os JUMENTOS ALADOS à FALÊNCIA. À falência total de sua inteligência, de sua evolução, de seu conhecimento e de suas metáforas. Ah, sim, e de suas verdades também. Mas é uma história muito TRISTE para ser contada em DETALHES.
ander_laine é um jumento alado