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6.1.04


Engraçado como algumas majors lançam uns discos completamente sem propósito comerciais. Quer dizer, mais ou menos. A Universal, por exemplo, jamais lançaria um álbum do Fellini ou da minha banda... Acho que eles têm é contrato. Aí­ é legal. Mas poucas pesoas podem se dar ao luxo de lançar um disco estranho numa major... só se você tiver um público, já tiver uma certa fama e optar (deixa eu ressaltar: OPTAR) pela bizarrice. É o caso do Arnaldo Antunes. O segundo disco dele, Ninguém, de 1995, seguindo o bizarrí­simo Nome , de 93, projeto multimidiático que, além do disco, inclui um ví­deo e um livro de poemas...

Enfim, o disco é de uma inviabilidade comercial impressionante. Letras esquisitas, sem o menor sentido que não o de brincar com a estrutura fonética das palavras, arranjos esquisitos, barulhinhos, muita inovação e uma diagramação muito bonita.

Desde o começo o disco já causa uma sensação -pequena, mas depois cresce- de desconforto: a faixa-tí­tulo e primeira do álbum é uma declamação verborrágica de coisas "com" e "sem"...

As bizarrices vão indo: nomes estranhos, um trecho da carta de Pero Vaz de Caminha; ele até musicou um poema -altamente estranho, claro- de Augusto dos Anjos, ele também um poeta bizarro. "O agregado abstracto das saudades", o que quer que isso queira dizer...

Incrivelmente, esse disco produziu alguns hits: "Fora de si" (que até entrou na trilha sonora do filme Bicho de sete cabeças...), "O seu olhar" (uma das músicas mais lindas que já ouvi, talvez por ser extremamente simples...) e "Judiaria" (um remake digní­ssimo de Lupicí­nio Rodrigues).

O disco é bem estranho mesmo, como já devo ter dito umas 35432187651987641 vezes, e me fez lembrar de como as pessoas não estão preparadas para o diferente. Ou como elas repelem o estranho de maneira quase irrevogável.

Por quê? Será que é tão ruim mudar, fazer algo inusitado? Será que já estamos tão acostumados ao nosso mundinho pequeno-burguês de classe-mérdia que, tudo que fuja do lugar comum (aliás, composição de João Donato e Gilberto Gil, faixa 10 do disco de Arnaldo) mesmo que oriundo da mesma classe-mérdia, nos causa uma repulsa tão imensa que é melhor ignorá-la? Ou será que estamos tão acostumados a um tipo de dominação cultural que, mais uma vez, tudo que foge do lugar comum e do comercial enlatado, nos causa uma estranheza tão grande que não exista consumo possível?

O disco é bom, se você não levar em conta o caráter não comercial dele. Fato rápido: normalmente, as tiragens mí­nimas que as fábricas exigem das gravadoras é de mil cópias (a nova lei que obriga os discos terem a tiragem impressa explicitou isso). A tiragem atual desse disco foi de 500 cópias. Isso sim é estranho! Os arranjos são bons, os músicos também e, se você gosta de descontruções lexicais, vai gostar das letras também.

Talvez Arnaldo seja o poeta pseudo-concreto com melhor relação competência-apelo pop. Ele diz, sim, coisas inteligentes e criativas sem, no entanto, cair no absurdo e sem se isolar na famosa torre de marfim em que, infelizmente, acabaram caindo os verdadeiros concretos: irmãos Campos e Décio Pignatari. Além de ter uma das vozes mais legais da música nacional, ele tem umas composições interessantes: o uso de barulhos e samplers apenas enriquece esse aspecto.

Portanto, deixe de ser preconceituoso e afeito ao lixo cultural que, direta ou indiretamente, consumimos e corra atrás desse álbum: ouça com calma e atenção. Afinal, "nem tudo que usa se tem". E, mais ainda: "Nem tudo que se tem se usa". Tenha e use esse disco.

sACal
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LegAL
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bmw placa bmw
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piada
ouro
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sarcasmo
frenar
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irreverência
dourado
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cerveja
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sexo
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estética
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